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2016/08/01
Risco País e Estudos Económicos

Tensão global

Tensão global - Bandeiras queimadas em Teerã. (foto: AP Photo/Vahid Salemi)

Nas prateleiras do varejo e da indústria brasileiros, produtos com etiquetas “made in China” em abundância são o último sinal de um ciclo que começou na década passada e que, agora, caminha para o seu fim. Pelos gabinetes de Brasília, as visitas cada vez mais frequentes de dirigentes chineses interessados em investir no País simbolizam um aspecto da nova fase que virá a seguir. A China, maior parceiro comercial do Brasil, trabalha para readequar a sua fórmula de crescimento para um modelo baseado em consumo e investimentos externos, menos dependente das obras de infraestrutura e das exportações que inundaram o mundo.

Como segunda maior economia e maior ator do comércio global, cada movimento é observado com cautela. Nos primeiros dias do ano, um pânico no mercado local reforçou temores de que a transição esteja fazendo o gigante desacelerar de forma abrupta, acendendo o alerta sobre a demanda por bens e commodities. O soluço se somou a outras frentes de tensão recém-deflagradas no mundo, prenunciado um ano de incertezas, já classificado como um dos mais instáveis desde a 2º Guerra Mundial. Para o Brasil, doses extras de tormenta ganham relevância num momento em que o País encontra-se inundado nas próprias encruzilhadas e não consegue escapar da recessão.

A China é de longe a maior dor de cabeça. Com um ritmo de crescimento de dois dígitos no início dos anos 2000, o país se tornou o principal impulsor da economia nacional. Em pouco mais de dez anos, ampliou sua fatia de 6% para 18% no comércio com o Brasil, injetando cerca de US$ 300 bilhões no País. A transição para o novo modelo vem reduzindo o apetite por matérias-primas e derrubando as cotações do minério de ferro e do petróleo, dois dos principais itens da pauta comercial brasileira.

O fim do ciclo de bonança dos exportadores de commodities já foi amplamente reconhecido, assim como a desaceleração do PIB como um todo. O temor é sobre até que nível a queda pode chegar e se há riscos de colapsos pelo caminho. Na última semana, as negociações da Bolsa chinesa tiveram de ser interrompidas por dois dias, depois de cair mais de 7% e acionar o mecanismo de proteção contra perdas. Boa parcela da queda foi atribuída a imposições regulatórias de mercado, como o fim da regra que proibia grandes investidores de vender ações.

Mas o mau humor influenciou a leitura de dados da economia real, como o de um índice de manufaturas que indicou o décimo mês de contração. Entre os especialistas, a reação do começo do ano é considerada um certo exagero, mas que deve ser encarada como um recado para o Brasil buscar alternativas. “Não há sinais de que a atividade está descarrilando, mas todos os riscos são de baixa e a cada movimento mais brusco na Bolsa ou na moeda surgem novas discussões”, afirma Artur Manoel Passos, economista do Itaú Unibanco.

A expectativa é que o PIB chinês encerre o ano com crescimento próximo de 7%, em linha com a meta do governo, e abaixo dos dois dígitos registrados até 2011. Dados como a estabilidade no consumo de aço e de energia elétrica, porém, sugerem que o nível de atividade possa ser bem inferior. A percepção é reforçada a cada vez que o governo adota medidas de estímulo na economia, como as reduções na taxa básica de juros, efetuadas nos últimos meses. “Transições de modelo como essa não são coordenadinhas e estão sujeitas a efeitos colaterais”, afirma o embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China.

“As autoridades chinesas têm plena consciência disso.” Neves considera, porém, que o processo está sob controle e chama atenção para as oportunidades que surgem para o Brasil, como uma possível ampliação do comércio, sobretudo para suprir as demandas brasileiras por bens de capital. A presidente Dilma Rousseff comparou os impactos dos ajustes no parceiro asiático com os do Brasil e minimizou os eventos recentes. “A gente tem plena confiança em que o governo chinês tem todos os instrumentos para fazer uma transição suave”, afirmou em Brasília, na quinta-feira 6.

CONFLITOS Enquanto a variável chinesa é mais conhecida, novas tensões de ordem geopolítica engrossaram o mapa dos riscos globais e devem ser consideradas pelos investidores. As surpresas mais recentes se deram no Oriente Médio e na Coreia do Norte. No primeiro, a faísca foi acesa com a execução do clérigo Nimr al-Nimr pela Arábia Saudita. A morte deflagrou uma escalada de manifestações no Irã e reacendeu um conflito sectário histórico da região. Os sauditas são responsáveis por 10% da produção de petróleo e vinham sofrendo com a perda de apoio de aliados vizinhos.

As dificuldades econômicas do país ajudam a explicar porque a onda de tensão não fez a cotação do petróleo subir como no passado. Com chances mais remotas de corte na produção, o preço do barril do tipo Brent continuou a cair até alcançar, na quarta-feira 5, menos de US$ 35 pela primeira vez em 11 anos. A Coreia do Norte acentuou o caldeirão de incertezas ao anunciar um teste com bomba de hidrogênio, mais poderosa que a bomba atômica. O movimento, condenado pelas principais potências globais, inclusive os aliados China e Rússia, foi interpretado como uma tentativa de negociar barganhas com os EUA.

Em relatório anual sobre os principais riscos para 2016, a consultoria Eurasia considerou que a combinação dos principais eventos globais sugere o cenário de fragmentação e instabilidade mais relevante desde a 2º Guerra Mundial. Embora os conflitos geopolíticos tenham uma relação menos direta com a economia, provocam uma aversão maior ao risco no mundo. Para o economista-chefe do Santander, Maurício Molan, o problema é que o Brasil se tornou mais vulnerável aos riscos externos nos últimos meses. “O País se impôs uma série de dificuldades”, afirma Molan. “Pequenos eventos internacionais vão gerar enormes volatilidades ao País.”

Os sinais do contágio aparecem no mercado financeiro. O índice Bovespa fechou no menor nível em quase oito anos, na quinta-feira 6, e o dólar voltou registrar altas, se sustentando acima dos R$ 4. Enquanto a batalha do Brasil deverá ser concentrada no esforço para por fim à crise política e aprovar reformas que sinalizem a melhora da situação fiscal, a Argentina e a Europa podem ser uma surpresa positiva. A vitória da oposição no país vizinho colocou fim às restrições do câmbio, o que pode incrementar o nível de comércio num dos principais parceiros.

Da mesma forma, países europeus devem demandar mais produtos nacionais à medida em que o crescimento ganhe fôlego – a expectativa é de que o PIB cresça 1,7%, em média, na zona do euro. O mercado americano, em plena recuperação, deve ser outro estímulo aos exportadores brasileiros. A ressalva, porém, é de que a melhora da economia pode forçar elevações nos juros e deflagrar uma fuga de capitais e novas desvalorizações do real. “Nos EUA, o Fed vai continuar subindo juros, mas não vai ser nada abrupto”, diz a economista Patrícia Krause, da Coface.

“De qualquer forma, aumento de juros afeta o dólar e o maior impacto seria a inflação.” Como a maioria dos economistas, Patrícia sugere que os impactos externos dependem mais de como o Brasil conduzirá as suas lições de casa. Nas estimativas do Santander, por exemplo, 30% do risco-país hoje estão ligados aos fatores internacionais, enquanto a maior parcela se concentra nas questões internas. “Se o País tivesse conseguido manter a perspectiva de elevação moderada de superávit, seria 50% para cada parcela, o que é normal para os países com a mesma classificação”, afirma Molan.

 

Por: Gabriel Baldocchi
(foto: AP Photo/Vahid Salemi)
Fonte: Isto É Dinheiro - http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/economia/20160108/tensoes-geopoliticas-preocupam-investidores/332238

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